Saudades

São coisas destas que me levam à convicção de que a vida para que somos feitos não é, de modo nenhum, aquela que andámos a viver. Em rigor, o nosso destino poderia parecer trágico: por um lado, caminhamos inexoravelmente para a solidão, por outro, temos como futuro o esquecimento. Tenho muito a convicção de que somos seres em formação, pois o projecto humano não aponta para aqui. Penso é que ele nos vai sendo revelado por pequenas nostalgias de coisas ainda não vividas, que se exprimem por intuições avulsas e, apesar de tudo, pelo halo poético do mundo, que seria mais visível se acertássemos a maneira como olhamos para ele. Depois também há, felizmente, aqueles que já nasceram mais à frente no caminho do futuro.



António Alçada Baptista, "O Tecido do Outono"

6 Comments:

  1. Ervi Mendel said...
    A última frase é sobre mim e eu que nem conheço o senhor...
    Teresa said...
    Belíssimo texto.
    Eu, a saudosista por exclência, sempre tive saudades de coisas que não vivi. O grande Vergílio Ferreira fez-me ver que não estava sozinha no mundo. Há mais gente assim, como nós.
    Teresa said...
    P.S. Excelência, falhou-me uma letra (Messy alapada no colo).
    Girstie said...
    Eu n posso dizer que conheço muito da obra dele. É sempre uma grande perda da cultura mas felizmente que passou por cá para nos deixar destas belas palavras.
    Suhl said...
    Sigo-o à muito e esta é a primeira vez que comento... só porque este 'é' o livro.
    As palavras de alguns não têm dono, felizmente ficaram estas connosco.
    as velas ardem ate ao fim said...
    Não se pode viver sem pensar e não se pode pensar sem palavras. Mas as palavras, quando despojadas da vida são a hemorragia, o esvaziamento da alma. A hemorragia das palavras, está a perder a nossa civilização. Os homens e as sociedades estão a esvaziar-se. Vivemos uma existência anêmica porque abusamos das palavras. Os discursos não param. Perdemos a nossa vida em discussões, e em confissões públicas, e em debates, em processos. [...]vamos passar a história com a idade dos processos. Estamos a ser sangrados pelas palavras.
    Os nós e os laços
    António Alçada Baptista

    um bjinho

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